Por que Harry Potter ainda encanta leitores no mundo inteiro? Depois de 28 anos em que o primeiro livro da série, Harry Potter e a pedra filosofal, foi lançado no Reino Unido e 25 anos de lançamento no Brasil, a história continua encantando não só os fãs de longa data mas também os jovens leitores que têm contato com a obra pela primeira vez. Então vamos olhar atentamente para algumas técnicas lilterárias utilizados por J.K. Rowling no livro que inaugura a série para entender como escrever livros que fazem sucesso.
ATENÇÃO: Mesmo apesar de passado tanto tempo ainda há pessoas que não leram o livro, então se você é uma delas, saiba que vai encontrar spoilers mais adiante. Eles são necessários para podermos entender as técnicas e recursos utilizados pela autora.
O primeiro livro começa com uma situação que contrasta os dois mundos que coexistirão ao longo de toda a saga: o mundo bruxo e o mundo trouxa (para quem não está familiarizado, trouxa é como são chamados os não-bruxos no universo Harry Potter). Três bruxos – Dumbledore, McGonagall e Hagrid – aparecem na porta de uma casa habitada por trouxas para deixarem ali um bebê. A ideia de um bebê deixado – ou abandonado – perpassa muitas histórias, contos de fada e, inclusive, narrativas bíblicas, como a de Moisés.
Essa cena também traz embutida a técnica da Regra de Três, presente em muitas narrativas, em que os elementos e ações costumam acontecer em número de três. Ali, essa regra é representada pelos três bruxos, sendo que Hagrid representa o terceiro elemento desastrado.
Para dar profundidade ao protagonista, escritores costumam dar-lhe um fantasma ou uma ferida que não o deixa esquecer de seu passado. No caso de Harry Potter, isso está fisicamente visível na cicatriz em forma de raio na sua testa. Essa é uma lembrança dolorosa de que se tornou órfão porque Voldemort (o grande bruxo do mal) matou seus pais quando era bebê e deixou-lhe essa ferida ao não conseguir matá-lo também.
Antes de começar a aventura propriamente dita, o protagonista deve ser apresentado no seu mundo comum – que mais tarde será virado do avesso pela aventura empreendida. Aqui, somos apresentados ao mundo trouxa, a rua e à vidinha que Harry compartilha com seus tios e seu primo trouxas, e como é atormentado por eles. O chamado para a aventura – que é o que coloca o protagonista no trilho da história a ser contada – acontece quando Harry começa a receber as inúmeras cartas de Hogwarts (que seu tio o impede de ler) e, depois, quando Hagrid aparece para levá-lo para a Escola de Magia. É aí que Harry atravessa o limiar e entra definitivamente no mundo especial, que é o coração da história e no qual ele irá permanecer ao longo de toda a narrativa.

O primeiro livro da série é um ótimo exemplo da estrutura mítica utilizada em antigas histórias e lendas das diversas culturas. A jornada empreendida pelo herói, ou protagonista, é longa e compreende grande parte da trama. Há o encontro com o seu antagonista, quando Harry é apresentado ao professor Quirrell na taverna que dará passagem ao Beco Diagonal, a representação de Voldemort – mas nesse momento, nem nós sabemos disso nem Harry. A taverna (ou lugar similar) é algo recorrente na jornada mítica. Quem não se lembra da cena na Cantina em Star Wars e o bar nepalês em Caçadores da Arca Perdida?
A entrada no mundo especial (que contrasta com o mundo comum onde o protagonista costumava viver) é bem representada quando Harry chega ao Beco Diagonal acompanhado de Hagrid, um lugar onde bruxos aportam em busca de ítens mágicos. Lá ele encontra um mundo que nunca pensou existir. Uma analogia possível é com a cena de O mágico de Oz do momento em que Dorothy coloca o pé para fora de sua casa, iniciando a jornada até Oz.
Um protagonista precisa de utensílios, ferramentas que o ajudarão na sua jornada. Harry Potter encontra tudo isso no Beco Diagonal: varinha, ingredientes para poções, livros, coruja… Inclusive é quando ele vislumbra a vassoura Nimbus 2000, que aparecerá mais à frente, quando Harry estiver para estrear no quadribol e receber uma dessas como presente. Aqui, aliás, entra em ação um outro recurso narrativo: o setup/payoff (que em português seria algo como plantar/entregar). Esse recurso consiste em “plantar” algo anteriormente na história para, mais tarde, mostrá-lo novamente, desempenhando uma função importante na narrativa.
E, no Beco Diagonal, temos novamente a Regra de Três em ação. Quando Harry vai escolher uma varinha para si, ele experimenta duas, que mostram-se um completo desastre em suas mãos, e apenas a terceira responde como o esperado. Aliás, a Regra de Três entra em ação também na escolha de mais dois companheiros de aventuras para Harry: Rony e Hermione. Assim, forma-se a tríade que seguiremos por todos os livros.
Todo protagonista precisa trazer consigo um desejo externo e um desejo interno (também chamado de necessidade). O desejo externo é o que ele acha que precisa, a necessidade é o que ele precisa de fato mas, na maioria das vezes, não tem consciência disso. Harry tem um desejo externo muito claro: ver-se livre da sua família trouxa, já que viver com eles é um tormento. Mas o desenrolar da trama vai mostrando que, por trás disso, há uma necessidade que o personagem não reconhece a princípio: usar o seu poder para o bem e tornar-se um líder benevolente do mundo mágico.
E o personagem também carrega uma sombra sobre ele: terá Voldemort morrido? Ou continua vivo representando uma ameaça? Aqui reside a questão central desse primeiro livro: Voldemort virá atrás de Harry Potter e o pequeno bruxo terá aprendido magia o suficiente para sobreviver a outro ataque?
Já próximo do final, depois de a tríade de personagens centrais ter sofrido vários reveses para alcançar seu objetivo, acontece a famosa cena do xadrez gigante. Aqui vemos outro exemplo da técnica setup/payoff, visto que no início da trama fomos apresentados ao xadrez de bruxo, quando Harry e Rony jogavam e Hermione fica assustada com a revelação de que as peças se destroem de verdade. Então, quando nos deparamos com os três tendo que jogar uma partida do xadrez gigante para vencerem mais essa etapa, entendemos que aquilo é um xadrez de bruxo, e alguém pode sair machucado dali.
No confronto final, somos surpreendidos por um plot twist. O antagonista não era Snape, como o próprio Harry imaginava, mas o professor Quirrell, que lá no início da história hesita e não cumprimenta Harry na taberna. A partir daí Harry vai tendo mais revelações como, por exemplo, que quem tentou matá-lo no jogo de quadribol não foi Snape, mas o próprio Quirrell.
E, para encerrar, nada melhor do que uma cerimônia e alguns prêmios para o herói (ou heróis). Lembra-se da cena final de Star Wars – Uma nova esperança? A Princesa Leia entrega a Luke e Han Solo medalhas como reconhecimento pelos seus feitos. Aqui também acontece algo parecido. A cerimônia é o encerramento do ano letivo e a premiação é a taça das casas, que sofre uma reviravolta com pontuações de última hora.
As cenas finais são na estação de trem, com os alunos voltando para passar as férias em casa e Harry dizendo que ele não está voltando para casa (afinal, Hogwarts passou a ser a sua casa). A história encerra mostrando a mudança que o herói sofreu ao longo da narrativa, como ele se tornou uma pessoa diferente depois de ter vencido todos os obstáculos. Seguindo o Arco do Personagem, protagonistas não devem terminar a história do mesmo modo que começaram, precisam sofrer mudanças.

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