Edgar Allan Poe: medo clássico e a teoria do conto

Aproveitando que entramos no mês de outubro, mês que no mundo inteiro cada vez mais vem sendo dedicado à literatura de terror, vou falar hoje sobre um precursor do gênero. Recebi da DarkSide Books a edição caprichadíssima do livro Edgar Allan Poe: medo clássico, volume 1. A obra veio acompanhada de alguns presentes temáticos, como uma carta com o conto “O corvo” no original em inglês, um camafeu com foto de Poe e uma máscara do autor. Resolvi aproveitar a oportunidade para, além de comentar sobre o livro em si também trazer um pouco da teoria do conto desenvolvida por Poe, o autor que definiu o que passou-se a conhecer como terror e que, mesmo após mais de 200 anos de sua morte, continua tão atual.

 

Para a narrativa fantástica, embora prosaica, que estou prestes a relatar, não espero ou peço crédito. Eu seria louco se de fato esperasse por isso, sendo uma história cujas evidências são rejeitadas por meus próprios sentidos. Contudo, não sou louco – e, com toda a certeza, não foi um sonho. Mas amanhã estarei morto, e hoje preciso remover este fardo de minha alma.

O gato preto, Edgar Allan Poe

 

O norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1849), além de autor e editor, foi também crítico literário e fez parte do movimento romântico. Ficou mundialmente conhecido por suas histórias povoadas de mistério e elementos macabros, mas também dedicou-se à ficção policial e à ficção científica. É considerado um dos precursores do conto – ficando conhecido a partir de “O Corvo”, lançado em 1845 – e seu envolvimento com o gênero não se limitou à escrita mas, também, à análise. Daí acabou desenvolvendo a primeira teoria do gênero.

 

Edgar Allan Poe conto

Edgar Allan Poe: medo clássico

A coletânea de contos do autor lançada pela DarkSide Books é uma daquelas preciosidades literárias que afagam todos os sentidos – uma característica que a editora vem desenvolvendo em todos os seus lançamentos. Somos convidados a mergulhar na obra do contista por meio de uma edição que combina requinte gráfico, seleção primorosa dos contos e afagos no leitor com alguns mimos extras ao longo do volume. Por exemplo, o livro traz duas introduções: uma da tradutora Marcia Heloisa, escrita em 2017, e outra do poeta Charles Baudelaire, admirador de Poe e o primeiro a traduzi-lo para o francês, escrita em 1852. O texto de Marcia traz uma apresentação de quem foi Edgar Allan Poe de forma a enxergarmos o homem por trás de sua obra. Didática sem ser cansativa, essa introdução traça um paralelo entre os infortúnios da vida de Poe e o desenvolvimento da sua escrita. Já o texto de Baudelaire nos permite vislumbrar uma análise do autor e sua obra a partir de um olhar da época.

 

E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda
No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.
Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,
E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,
E a minh’alma dessa sombra que no chão há mais e mais,
Libertar-se-á… nunca mais!

O corvo, Edgar Allan Poe (tradução de Fernando Pessoa)

 

Outra pérola do volume é o bloco dedicado a “O corvo”, seu conto mais famoso. Sim, não apenas a tradução, mas uma seção inteira, com direito a texto introdutório do próprio Edgar Allan Poe escrito em 1846 sobre a filosofia da composição do texto. Em seguida, somos agraciados com o texto do conto no original em inglês e em duas traduções: uma feita por Machado de Assis em 1883 e outra por Fernando Pessoa em 1924.

 

Edgar Allan Poe o corvo

 

 

Todo o livro é recheado de detalhes que, mais do que complementar ou ilustrar os contos de Poe, contribuem para uma experiência imersiva no universo peculiar desse autor. A experiência sensorial começa na capa dura, em cor negra e estampada com letras douradas em baixo relevo, e segue pelo interior do livro. As ilustrações em xilogravura de Ramon Rodrigues traduzem em traços pungentes os contos e a morbidez das cenas retratadas, ressoando a sensação de claustrofobia e enclausuramento que muitas das histórias de Edgar Allan Poe criam. Ao final, a seção “A casa do mestre” traz fotos de onde o autor morou, mais uma vez traçando um paralelo entre sua vida e sua obra.

 

Outro destaque da edição é a divisão dos contos por blocos temáticos, que permitem vislumbrar os diferentes recortes da obra de Poe: Espectro da morte, Narradores homicidas, Detetive Dupin, Mulheres etéreas, Ímpeto aventureiro e O corvo. Nesses blocos, além de “O corvo” já mencionado acima, encontram-se contos conhecidos como “O poço e o pêndulo”, “A queda da casa de Usher”, “O gato preto”, “Os assassinatos na rua Morgue” e “O escaravelho de ouro”. Como se isso tudo não bastasse, a DarkSide Books já está preparando o segundo volume desse medo clássico.

 

Edgar Allan Poe conto

 

A teoria do conto de Edgar Allan Poe

Além de ser um dos precursores da literatura de ficção científica e fantástica modernas, com contos como “A queda da casa de Usher” e “O gato preto” mergulhando fundo na psique humana, Edgar Allan Poe também é tido como um dos primeiros a escrever contos policiais, com obras como “Os crimes da rua Morgue” figurando entre as primeiras obras reconhecidas do gênero. É reconhecida a influência que exerceu sobre a obra de Arthur Conan Doyle (criador de Sherlock Holmes), no século XIX, e sobre os romances de Agatha Christie (conhecida como Rainha do Crime).

 

Edgar Allan Poe O conto

 

Seus estudos sobre as narrativas breves levaram-no a desenvolver aquela que é considerada a primeira teoria do conto, e que contribuiu para a consolidação deste enquanto gênero de ficção. Poe via a narrativa curta como o meio mais apropriado para o artista expressar em totalidade o seu talento, opinião que ia contra a tradição literária da época. Em sua abordagem, Poe propôs a teoria da unidade de efeito, sendo a qual uma narrativa deve ser breve o suficiente para que possa ser lida de uma única assentada, de outra forma os estímulos externos do mundo interfeririam na leitura, modificando-a ou até mesmo anulando-a. Essa teoria repercutiu e foi rediscutida por outros escritores, como Mário de Andrade, Julio Cortázar e Machado de Assis.

 

Poucos são aqueles que nunca, em algum momento de suas vidas, se entretiveram refazendo o percurso pelo qual determinadas conclusões surgiram em suas mentes. É uma ocupação deveras interessante; aquele que a experimenta pela primeira vez fica impressionado com a distância aparentemente ilimitada e incoerente entre o ponto de partida e a conclusão. Imaginem qual foi, assim, a minha surpresa quando ouvi o francês rastrear o meu pensamento e percebi que não podia deixar de reconhecer que ele acertara em tudo.

Os assassinatos na rua Morgue, Edgar Allan Poe

 

Poe argumentava que o conto traz vantagens peculiares sobre o romance, é mais refinado que o ensaio e em alguns pontos é superior à poesia. Para ele, durante a leitura do conto o leitor deve ficar à mercê do escritor, o que mostraria o domínio da técnica literária e a consequente composição da narrativa. O escritor deve conceber um efeito único e singular que deseja alcançar com seu texto e, então, criar e combinar os eventos narrativos que melhor contribuam para estabelecer o efeito previamente concebido. Se a primeira frase já não estiver direcionada para esse efeito, o autor fracassa ali mesmo. Todas as palavras utilizadas no conto devem levar àquele efeito, o que o diferenciaria do romance. Para Edgar Allan Poe, a brevidade excessiva no conto seria censurável, mas a extensão excessiva deve ser ainda mais evitada. O autor defendia que, enquanto a Beleza é o objetivo da poesia, a Verdade é o objetivo do conto.

 

Edgar Allan Poe contos

 

Quem se interessou em conhecer a obra de Edgar Allan Poe ou revisitá-la em uma edição histórica como a da DarkSide Books, pode comprar o livro por meio desse link e ajudar o Conexão Autor a continuar trazendo material diversificado sobre literatura e  criação literária. Essa também é uma ótima opção para quem quer mergulhar no All Hallow’s Read durante o mês de outubro. Não sabe o que é? Clica aqui para saber.

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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