A caixa de desejos de Ana Cristina Melo

A caixa de desejos de Ana Cristina Melo.

Escritora com três livros infantis (Uma turma para Dora, O banho de Nina e Amizade Desenhada) e dois juvenis (Caixa de Desejos e De volta à Caixa de Desejos) já lançados,  além das antologias das quais participou e dos prêmios que recebeu, Ana Cristina Melo não começou exatamente pelo campo das letras. Formada em Análise de Sistemas, profissão que exerce até hoje, foi aos poucos fazendo a migração para a literatura.  “E cada vez que conseguia transpor uma barreira, tinha vontade de puxar uma dúzia comigo”, diz, explicando por que criou sites e blogs para difundir e disseminar novas oportunidades literárias. Leia abaixo a entrevista com Ana Cristina Melo.

A caixa de desejos de Ana Cristina Melo

Prestes a lançar mais um livro juvenil, A Turma do CP-500, Ana Cristina Melo junta na nova obra suas duas áreas de atuação: a literatura e a informática. Além disso, acabou de assumir a coordenação de comunicação impressa da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil (AEILIJ), onde encara o  desafio de “modernizar essa forma de comunicação e aproximar cada vez mais esse grupo que está debaixo desse grande e importante guarda-chuva”. Ana Cristina caminha, mas nunca sozinha. Já levou adiante vários projetos nos quais abria espaço para a literatura nacional e a divulgação de oportunidades para novos escritores: “A solidão é ótima para criar, mas péssima para levar um texto para o mundo”. E completa, dizendo: “Nossa área é muito prazerosa, mas também muito difícil. É o companheirismo que vai fazer diferença durante a estrada.”

ana cristina melo
Foto: Julio Pereira

Antes de ser escritora, você já era analista de sistemas, sua área de formação e que exerce até hoje. E além dos livros infantojuvenis, você também lançou livros técnicos na área da informática. O processo criativo de um livro técnico difere em que, além do seu objetivo, de escrever um livro de ficção?

Ana Cristina Melo: O livro técnico, em alguns casos, para ser atrativo ao seu público alvo, precisa ser didático. No meu caso, meus livros nasceram da necessidade de um material que desse suporte às aulas que eu ministrava na Faculdade e na Pós-graduação. Já a literatura de ficção deve fugir desse didatismo. Contudo, por outro lado, o processo criativo pode se aproximar muito quando falamos em planejamento. Ao escrever um livro técnico, precisamos ter ideia do que pretendemos, mesmo que os capítulos ainda não estejam totalmente delineados. E na ficção também sinto assim, preciso de um rumo. Para alguns escritores, esse rumo precisa ser uma coluna vertebral completa da obra, na qual ele sabe exatamente o que vai acontecer, passo a passo. No meu caso, preciso saber qual sentimento desejo que pulse no meu texto. Às vezes, consigo escrever sem saber aonde a história vai me levar, nem mesmo que final vai ter, desde que conheça essa pulsação; em outras, se não tenho um planejamento capítulo a capítulo, não consigo avançar.

A Turma do CP-500 de Ana Cristina Melo
Capa do novo livro juvenil

Assim como analistas de sistemas, a literatura está povoada de escritores que vieram de outras áreas, como a medicina e o direito. Na sua opinião, o escritor de ficção é um ser que nasce dentro de qualquer profissional, independente da área na qual tenha se desenvolvido?

Ana Cristina Melo: Acho que sim. Acredito que algumas profissões podem representar para os escritores apenas um caminho a seguir. Pode ser um caminho de interesse, como foi meu caso, ou apenas um caminho financeiro, para que ele tenha certa liberdade para escrever.

O seu processo criativo é motivado principalmente pela imaginação ou deriva da sua experiência como mãe de dois filhos?

Ana Cristina Melo: Dos dois lados. Quando comecei a escrever, meu público alvo era o adulto. Num determinado momento, me vi escrevendo meu primeiro infantojuvenil, sem pensar para que faixa etária estava criando. E descobri aí uma paixão maior dentro da própria paixão pela literatura. Hoje, é natural, ao escrever, que eu use a experiência do que vi ou vivi com meus filhos, de 15 e 9 anos, mas vejo as histórias nascerem muito mais de um tema que está me cutucando para ser escrito. Meus filhos, além de fonte de inspiração, são também grandes parceiros, pois se tornaram meus primeiros leitores, ainda na concepção de meus livros.

Você escreve para o público infantil e para o juvenil. Apesar de serem próximos em termos etários, você diria que literariamente são muito diferentes? Qual sua maior preocupação com o texto infantil e qual com o texto juvenil?

Ana Cristina Melo: Não são diferentes, no aspecto literário. O que eles possuem são formatos diferentes. Esse formato pode variar nos temas abordados, na linguagem, na extensão. Mas é muito comum vermos um gênero atravessando fronteiras, no caso, um infantil que encanta um jovem ou até mesmo um adulto; ou um juvenil que vai encantar o adulto. Minhas maiores preocupações quando escrevo para um público ou outro é criar um enredo atraente, além de cuidar da adequação da linguagem. Não que eu busque simplificar para crianças menores, pelo contrário. Sempre que adequado, me permito usar uma metáfora ou criar um neologismo em um livro infantil, mas tento tomar todo cuidado para que esse recurso seja compreensível dentro do contexto. Por exemplo, no meu infantil “Uma turma para Dora” (Ed. Vermelho Marinho) criei o verbo tartarugar. Já no livro “Amizade Desenhada” (Ed. Escrita Fina) uso algumas expressões como “as duas mãos conversavam desenhando” e “os alunos abaixaram a cabeça, procurando a coragem que tinha caído no chão”, que buscam trazer ao leitor a delicadeza que eu queria transmitir contra o tema tão difícil do livro – o bullying.

Você é uma escritora que desde cedo utilizou a internet como ferramenta de construção e divulgação do seu trabalho na literatura. Você já teve blogs para divulgar seus textos e também para divulgar a literatura nacional e até concursos literários. Fale um pouco sobre cada um deles e quais ainda estão ativos.

Ana Cristina MeloAna Cristina Melo: Quando comecei a escrever, tinha uma necessidade muito grande de respirar literatura em todos os meus momentos livres. Autodidata, eu estudava muito, não só os textos literários, mas também outros de técnicas narrativas. Além disso, eu procurava ler tudo que saía sobre literatura. Foi nesse instante que percebi como o espaço para a literatura nacional é pequeno. Sempre tive o instinto de não ficar sentada chorando o que não existe, mas arregaçar as mangas e tentar construir. Foi assim que nasceu meu primeiro blog, chamado Canastra de Contos, com o objetivo de ser um lugar para divulgar a literatura, principalmente a nacional. Ele nasceu falando de tudo um pouco. Eu postava lançamentos literários, editais de concursos, reproduzia notícias, publicava contos, divulgava meus prêmios etc. Logo senti necessidade de separar um pouco cada área. Foi assim que nasceu um blog dedicado aos concursos literários (Ficção de Gaveta) e um site para os lançamentos literários (Sobrecapa). Com o passar do tempo, o Sobrecapa também passou por uma metamorfose, se transformando em um jornal virtual. Nascia o Sobrecapa Literal, que ficou no ar de fevereiro de 2011 a março de 2013. Foi uma experiência maravilhosa, que me trouxe grandes oportunidades. Tentando mais uma vez transformá-lo em algo dinâmico, ele voltou para o formato de portal de notícias, mas acabou perdendo força. Hoje mantenho apenas o Canastra de Contos , como um blog pessoal, e o portal do Sobrecapa Literal, que em breve pretendo reformular.

Foi em um de seus blogs, o Ficção de Gaveta, que em 2009 eu fiquei sabendo do Prêmio Monteiro Lobato de Literatura, promovido pelo SESC-DF, no qual meu texto O dono da Lua foi selecionado para fazer parte da coletânea. Você costuma ter esse tipo de retorno de pessoas que conseguiram alguma oportunidade na literatura por meio de seus blogs? E o que lhe motiva a ajudar novos escritores a conseguirem espaço em um mercado tão difícil como esse?

Ana Cristina Melo: Essa notícia foi uma grande alegria pra mim. Outras pessoas também me deram esse feedback. E isso me deu uma sensação de dever cumprido. Todo escritor nasce iniciante. Alguns têm um caminho mais facilitado, por vários fatores, mas a grande maioria precisa batalhar cada conquista. Eu passei por isso. E cada vez que conseguia transpor uma barreira, tinha vontade de puxar uma dúzia comigo. 🙂 Nossa área é muito prazerosa, mas também muito difícil. É o companheirismo que vai fazer diferença durante a estrada.

Os prêmios que você recebeu em concursos lhe ajudaram a entrar no mercado editorial? Você acha que prêmios fazem a diferença?

Ana Cristina Melo: Talvez tivessem me ajudado se meu livro de estreia houvesse nascido de um prêmio. Mas certamente eles me ajudaram a sair do grande grupo anônimo da escrita. Ao ter um currículo para apresentar, você se destaca alguns centímetros à frente. Nisso, acho que os prêmios, mesmo de menor porte, fazem a diferença. Agora, sem dúvida, há prêmios que abrem muitas portas, como é o caso do Barco a Vapor, SESC de Literatura, João de Barro, entre outros.

Ana Cristina Melo, prêmio SESC Monteiro Lobato2011
Recebendo o Prêmio SESC Monteiro Lobato 2011

Você criou o jornal Sobrecapa Literal, que contava com a participação de outros escritores e ilustradores e era distribuído gratuitamente. Um jornal que agregou muito em termos de divulgação e visibilidade para os profissionais da área, assim como ajudou iniciantes a descobrirem um caminho para mostrar seu trabalho. Quais os desafios de se fazer um jornal nesse formato, e de distribuição gratuita? Você vê a interrupção dele como definitiva? E quem quiser ter acesso a esse material ainda é possível?

Ana Cristina Melo: Os desafios foram muitos. O jornal tinha tamanho variável e chegou a ter 30 páginas. Mesmo mensal, não era fácil compilar e reunir material para compor uma edição completa. Sem a ajuda dos meus colunistas, isso seria impossível. Mas uma boa parte do jornal era feita pela minha eu-quipe, que escrevia, editava, revisava e publicava. O fato de ter distribuição gratuita e de não termos anunciantes tornou inviável o tempo gasto na criação do jornal, não só pra mim como para os outros colunistas. Não vejo a interrupção como definitiva. Quem sabe, num futuro próximo, possamos conseguir um patrocínio para voltar a editá-lo. As últimas edições estão disponíveis no site Sobrecapa Literal.

Você faz parte da nova diretoria da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil como coordenadora de comunicação impressa. Na sua opinião, qual a importância para o autor participar de uma associação de classe? E quais os desafios que você vê no cargo que assumiu recentemente?

Ana Cristina Melo: Um pouco acima citei o companheirismo como algo importante nessa caminhada. A associação nos dá isso. A entidade nos dá não só uma rede maravilhosa de amigos, como amigos que têm uma vasta experiência, além de um forte desejo de escrever um caminho melhor para a carreira de escritor. A solidão é ótima para criar, mas péssima para levar um texto para o mundo. Não é por menos que as redes sociais se mostraram um importante canal para divulgação do trabalho de um autor. Sobre meu cargo atual, na diretoria da AEILIJ, realmente vejo grandes desafios. O primeiro eu consegui vencer, que foi a edição do primeiro boletim da nova gestão. Um trabalho que não foi muito diferente do que fazia no jornal, mas que trouxe um olhar mais exclusivo para a literatura infanto juvenil. Agora, o maior desafio é modernizar essa forma de comunicação e aproximar cada vez mais esse grupo que está debaixo desse grande e importante guarda-chuva. Temos planos para o ano que vem, quando a associação completa 15 anos. Muito trabalho vem pela frente.

Ana Cristina Melo na FLIST 2013
Participando da FLIST 2013

Que dica você daria para um aspirante a escritor que não sabe por onde começar para ter seu trabalho conhecido?

Ana Cristina Melo: A primeira dica é “informação”. Busque saber o que está sendo publicado, leia seus pares, escolha editoras que lhe agradam, vá a eventos, converse com outros escritores, procure saber como funciona cada etapa no processo de edição. A segunda dica é “busque críticas”. Os escritores, às vezes, não sabem lidar com as críticas, mas temos que aprender que nossa vida será pautada por avaliações. Seremos avaliados a todo o momento, pelos editores, pelos leitores e, principalmente, por nós mesmos. Temos o direito de não concordar com algumas avaliações, sejam positivas ou negativas, mas temos que ter argumentos para defender nosso ponto-de-vista. As formas mais fáceis para um aspirante a escritor buscar críticas é participar de concursos, frequentar oficinas literárias ou encontrar leitores experientes que tenham possibilidade de ler seus textos. A última dica é “confiança”. Nunca esmoreça diante de um fracasso ou de um não.

Para saber mais sobre Ana Cristina Melo, visite o seu site. E para conhecer seu novo livro juvenil, visite o blog de A Turma do CP-500.

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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