Autor e narrador são a mesma pessoa? Se não, quem tem a primazia da palavra no ato de contar a história? Esse pensamento permeia toda a narrativa de A ficcionista – sonhos e fantasias de uma narradora, livro de Godofredo de Oliveira Neto que acabou de ganhar uma nova edição, agora pela editora Batel. O autor ocupa a cadeira 35 da Academia Brasileira de Letras.
A ficcionista, para além dos eventos da trama, é uma história sobre contadores de histórias. Na verdade, sobre quem é o dono das histórias. A narrativa desenvolve-se como um longo embate entre o escritor e a narradora da trama. Nikki, a narradora (a ficcionista do título), é alguém que, para a medicina, foi classificada como maluca mas que para seus seguidores é um misto de profeta, monja, beirando a santidade…
O livro traz duas linhas do tempo, que evoluem paralelamente mas também se sobrepõem à medida que vamos sendo enredados pela relação simbiótica entre o escritor, que está em busca de uma história original e atraente, e a narradora, que vê ali a oportunidade de eternizar seus feitos.
Na linha do passado estão os fatos vividos pela narradora em Santa Catarina; fatos que por vezes beiram o absurdo, o inacreditável, o transformador… “Chamar de messiânico é uma maneira de desqualificar a nossa ação. Acabou sendo, se bem analisada, uma revolta social. Esse é um bom tema hora para ficção literária, só serve para isso”, diz Nikki.
Na linha do presente estão os encontros entre o escritor e Nikki, nos quais acontecem as gravações em que a narradora vai desfiando episódios da sua jornada. Do ponto de vista de nós, leitores, ambos são narradores não confiáveis. O escritor quer se apropriar da história de Nikki e usá-la para conseguir sucesso com seu livro. “Queria te lembrar sempre de uma coisa, Nikki. Que fique bem claro que não tenho compromisso com a cronologia dos teus relatos nem com todos os detalhes que você der. Você, para todos os efeitos, nunca existiu. Para isso te pago”, diz, referindo-se ao valor que paga a Nikki para que ela conte a sua história.

(foto: Ronize Aline)
Mas até onde ele não está sendo manipulado? Nikki quer mostrar a sua história como algo singular e, dessa forma, ela também vai usando o escritor para que ele crie o retrato dela como deseja ser lembrada.
Com sua escrita envolvente, Godofredo vai brincando com as intenções dos personagens e nos enredando na trama à medida em que constrói e desconstrói a narrativa bem à nossa frente, num processo metaficcional no qual a narradora se intromete na história que está sendo construída pelo escritor (um personagem alter ego de Godofredo?). “É a primeira vez que você é irônico e cáustico assim, espero que tenha combinado com os seus leitores antes”, Nikki desafia. O escritor reage, exercendo sua primazia ao dizer que a história é dele e que a história será construída à sua própria maneira.
“Hoje sobrevivo contando as minhas visões e recorrendo aos meus poderes de artista, né?”, diz Nikki. “As histórias não são verdadeiras?”, pergunta o escritor. “Ser são, mas, quando contadas de novo, a coisa vai tomando outros rumos, pensei que você na condição de escritor soubesse muito bem disso. E existe mesmo um limite entre ficção e realidade?”
Se o poeta é um fingidor, aqui os dois são fingidores: escritor e narradora. Afinal, a quem pertence a história? A quem a viveu e se ocupa de narrá-la para que não morra ou a quem é capaz de eternizá-la nas páginas de um livro? O grande enigma do livro: quem é Nikki, invenção do escritor ou a inventora do escritor?

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