Henrique Rodrigues, o poeta diluído

Henrique Rodrigues,  o poeta diluído.

Dentre os escritores da chamada Geração 00, que tomaram vulto a partir dos anos 2000, os poetas parecem estar sempre menos representados (e menos vísiveis) do que os que se dedicam à prosa. Isso não significa que eles não estejam por aí, lapidando seus versos e espalhando sementes que frutificam nos mais variados solos. Em terreno infantil, por exemplo. E escrever para criança dá rima? Segundo Henrique Rodrigues, “as crianças são naturalmente poéticas. Nós, adultos, é que tentamos imitar isso do nosso jeito, com as nossas limitações de quem instintivamente vai fechando o olhar abstrato para o mundo”. Pois é esse poeta, que esparrama seu lirismo para além do gênero e do ato de escrever, o nosso entrevistado de hoje.

O poeta diluído

Henrique Rodrigues é poeta, autor de prosa, organizador de coletâneas e um dos idealizadores do Prêmio SESC de Literatura, que há dez anos   vem revelando talentos do romance e do conto. Sob inspiração do título de um de seus livros de poesia, A musa diluída, podemos dizer que Henrique dilui-se por várias camadas da literatura, atuando à frente e atrás dos panos, ajudando a disseminar e solidificar a produção literária contemporânea no Brasil. Em breve ele estará lançando o livro juvenil O tesouro na sombra da árvore, no qual preferiu escrever “um texto convencional mesmo. Quis criar uma história com princípio, meio e fim”, diz. Com vocês, Henrique Rodrigues.

Henrique Rodrigues

Você transita tanto pela prosa quanto pela poesia. Em que difere o processo criativo para cada um dos gêneros?

Henrique Rodrigues: Difere muita coisa, pois são processos mentais diferentes de criação, embora as matérias iniciais sejam a mesmas, que são as palavras e as ideias.

Quando você tem uma ideia, ela já surge definida para prosa ou poesia, ou você começa a trabalhá-la até descobrir em qual gênero melhor se encaixará?

Henrique Rodrigues: Geralmente eu sei o que quero fazer quando começo a escritura, mas pode acontecer de não ser tão legal e aproveito a ideia depois para outro formato. Já comecei a escrever um poema uma vez e depois vi que a ideia pedia mais texto, então transformei num conto. Mas esses casos são exceção, pois acredito que o processo de escrita é algo muito consciente, mesmo que as ideias, palavras e imagens sejam voláteis.

Versos para um Rio Antigo é um livro infantil de poesia. Há diferença entre fazer poesia para criança e fazer poesia para adulto?

Henrique Rodrigues: Tem sim, e bastante. Por mais que se diga que um bom poema pode ser lido por qualquer pessoa etc, creio que é preciso considerar quem vai ler, respeitar a bagagem do leitor e provocá-lo de maneira que o poema diga algo. No caso do Versos…, que é um livro inspirado em pinturas cariocas do século XIX, optei por versos curtos, redondilhas rimadas que soassem agradáveis ao ouvido infantil, pois a ideia era ele ser lido também em voz alta enquanto as pinturas são mostradas. Enfim, acho que existe um arsenal de recursos literários que podem ser usados de acordo com o que se pretende em cada livro.

Versos para um Rio antigo, de Henrique Rodrigues
Versos para um Rio Antigo

Mesmo seus demais livros infantis têm como característica uma linguagem que tende mais para o verso do que para a narrativa. Criança combina com poesia?

Henrique Rodrigues: As crianças são naturalmente poéticas. Nós, adultos, é que tentamos imitar isso do nosso jeito, com as nossas limitações de quem instintivamente vai fechando o olhar abstrato para o mundo.

 Você estará lançando em breve um livro juvenil, O tesouro na sombra da árvore. Ele também tem um fluxo poético?

Henrique Rodrigues: Não, nesse caso escrevi um texto convencional mesmo. Quis criar uma história com princípio, meio e fim. Mas tem um personagem, chamado Jorginho, que tende a ver o mundo com esse olhar poético para a realidade, e isso acaba sendo fundamental para o desenrolar da história e a solução da trama. Mas não vou falar mais senão vira spoiler. rsrs

Você é o tipo de escritor que tem um rotina, escreve de forma planejada, ou sua criação vem de um processo que tende mais para o impulsivo?

Henrique Rodrigues: Eu gostaria de ter uma rotina para escrever, e espero ter um dia. Mas a questão é o tempo. Eu trabalho de 9 às 18h todos os dias, e embora me sinta escritor o tempo todo, só posso escrever nas horas vagas. Mas já combinei uma coisa comigo mesmo: só escrevo quando posso, e quando puder não me dou o direito de não escrever. Ou seja, se não estou inspirado, finjo que estou, e no final ninguém deve saber a diferença.

Você participou de algumas antologias juntamente com outros escritores. Como você vê esse tipo de publicação para o autor, para o leitor e para o mercado?

Henrique Rodrigues: As antologias são importantes sob vários aspectos. Para o autor, especialmente o que está começando, é importante fazer parte de um grupo, pois isso abre caminho. Aliás, ano que vem completam-se dez anos da publicação da antologia Prosas Cariocas, organizada pelo Marcelo Moutinho, que saiu pela Casa da Palavra. Esse livro mostrou quem eram os novos autores cariocas da “Geração 00”, e hoje boa parte dos que estrearam lá segue suas trajetórias, já reconhecidos como autores de qualidade. Para o leitor, tem-se sempre um livro cuja chave da leitura está ligada a um assunto interessante para ele, qualquer que seja o recorte da seleta. Para o mercado, é interessante porque algumas antologias têm boa aceitação comercial e chamam a atenção para outras obras dos autores presentes.

Além de autor, você é também organizador de dois livros – Como se não houvesse amanhã: 20 contos inspirados em músicas do Legião Urbana e O livro branco: 19 contos inspirados em músicas do Beatles + bonus track. Como é editar o texto de outros escritores sendo você também um deles?

Henrique Rodrigues: Poxa, isso dá um trabalhão. No caso dessas duas antologias, foram dezenas de autores dos mais diferentes lugares e vozes narrativas. Mas acredito que o resultado foi interessante porque justamente são perspectivas diversas e ao mesmo tempo sob um mesmo assunto, Legião e Beatles, que são adorados pelos autores. Todos eles responderam meu convite com muita felicidade, e só posso ficar ainda mais feliz pelo resultado dos livros.

Como se não houvesse amanhã, de Henrique Rodrigues
Ensaio sobre capa de “Como se não houvesse amanhã”/ Foto: Susana Fuentes

Você foi um dos idealizadores do Prêmio SESC, que premia a cada ano um romance e um livro de contos que são publicados pela Record, e já se tornou um dos principais do país. Qual era o objetivo principal quando ele foi criado, visto que já havia outros concursos espalhados por aí?

Henrique Rodrigues: Quando a gente pensou no formato, considerando a penca de prêmios que há por aí, pensamos em algo que seguisse uma das linhas de atuação do Sesc na área de Cultura, que é fornecer o acesso a artistas. Daí pensamos no que realmente importa para um escritor inédito, que é ser publicado, distribuído e lido. E então já foram 10 anos e 17 ótimos autores premiados, que estão seguindo suas vidas literárias. Na verdade é um formato simples, sem muito mistério. Seria legal haver mais projetos assim no país, pois tem muito escritor bom procurando seu espaço.

Na sua opinião, concursos literários são capazes de definir a carreira de um escritor ou corre-se o risco de o vencedor tornar-se autor de uma obra só?

Henrique Rodrigues: Olha, eu acho que as duas possibilidades estão corretas, mas isso varia muito de acordo com o escritor. Pegando o exemplo dos autores vencedores do Prêmio Sesc, alguns publicaram vários livros depois, mudaram radicalmente de vida, como é o caso do André de Leones (Hoje está um dia morto). Outros publicaram apenas o livro vencedor, e continuaram suas vidas, como o Sérgio Guimarães (Zé, Mizé, Camarada André). Mas isso também não significa necessariamente que um seja mais ou menos escritor que o outro, pois cada autor tem o seu tempo e o seu ritmo, e de repente aquele livro foi a grande contribuição do autor para a vida literária.

É possível dizer que há critérios universais que acabam sendo utilizados nos mais diversos concursos ou cada prêmio define o tipo de literatura que está buscando publicar?

Henrique Rodrigues: Olha, pelo que sei, depende do processo de análise, e principalmente da comissão julgadora. No caso de concursos para inéditos, prevalece o critério da qualidade literária e abrir caminhos. Em outros formatos, há diferentes fatores que também pesam. Ano passado cuidei um pouco dos bastidores do Prêmio Portugal Telecom, quando trabalhava no instituto Oi Futuro. Esse é um projeto de reconhecimento de autores já consagrados, que busca associar esses nomes à marca da empresa, com uso de Lei Rouanet etc, dentro de um processo mais convencional de marketing cultural. Acho que cada concurso tem um objetivo diferente, de acordo com as diretrizes de quem promove.

A musa diluída, de Henrique Rodrigues
Leitura de “A musa diluída” pelo autor

Que dicas você daria para quem pretende participar de um concurso pela primeira vez e para quem já participou de vários mas até agora nunca foi premiado?

Henrique Rodrigues: Bom, é preciso continuar tentando, ler os premiados dos anos anteriores e tentar melhorar sempre. Para quem se esforça, uma hora ou outra as coisas acontecem.

Para conhecer mais sobre Henrique Rodrigues visite seu blog.

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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