Amor de longe: um passeio delicado pelo universo juvenil

Tempo, tempo, tempo, tempo/Vou te fazer um pedido/Tempo, tempo, tempo, tempo… A música de Caetano Veloso martelava em minha cabeça enquanto lia Amor de longe, novo livro de Claudia Nina, sua estreia no universo juvenil. Parecia ouvir Clarice, a protagonista, fazendo apelos ao tempo: em um momento, que passasse mais rápido; em outro, mais devagar. A inconstância própria da idade nos persegue até a vida adulta quando o assunto é tempo, afinal estamos em eterna briga com esse senhor do destino, como diria o compositor. Mas assim como o tempo é uma variável que nos acompanha ao longo da vida, nunca abandonamos de fato a nossa adolescência. Quantas vezes não gostaríamos de girar o relógio ao contrário e fazer voltar o tempo? Pois esse livro é um delicioso reencontro com aquele “eu” que deixamos para trás e que, por vezes, provoca tanta saudade. Esse é um dos motivos pelos quais ele tem sido tão bem recebido não apenas pelos jovens, mas também pelos adultos. Os outros motivos você pode conferir na resenha abaixo.

 

A dor da mudança em Amor de longe

Depois de consolidar-se com obras infantis e adultas, Claudia Nina explora o universo juvenil com uma história que herda a poesia e a sensibilidade de seus outros trabalhos. Clarice é a protagonista adolescente que adora escrever – uma sutil homenagem à sua homônima, autora brasileira a quem a própria Claudia dedicou seus estudos de doutorado, que resultaram em um livro. “Tinha vergonha de não ser adulta. E, como obviamente não cabia mais na infância, o lugar intermediário da adolescência era desconfortável. Como uma calça jeans que não serve. Ainda.” O sentimento de estranhamento em relação a tudo, todos e a si própria percorre todo o texto sem parecer caricato. Claudia vai pontuando os humores e as oscilações próprios da idade com episódios e instantâneos que emprestam materialidade aos conflitos internos e externos de uma Clarice que procura descobrir quem é – ou quem quer ser.

 

Amor de longe Cláudia Nina

 

A autora não subestima seus personagens nem é condescendente com eles. Ela foge dos estereótipos e nos brinda com uma Clarice que apresenta dúvidas mas também inconsistências. E faz isso permeando os conflitos da personagem com reflexões que, longe de parecerem forçadas, dão a tônica do romance. “Clarice não suportava o tédio dos dias menores, mas tampouco gostava de experimentar o que ainda não gostava”. E também não é condescendente com seus leitores. Os excelentes pontos de virada na história podem, muitas vezes, não corresponderem ao que esperávamos (ou torcíamos), mas atendem aos movimentos da história perfeitamente.

 

Assim como todos os adolescentes, Clarice sofre da dor da mudança. Claudia aproveita a metáfora e nos coloca como observadores também de uma outra mudança: a família da adolescente está se mudando do Rio de Janeiro para Porto Alegre e tudo o que ela conhece como “vida” será deixado para trás. Apartamento, escola, amigos, rotina… tudo o que no dia a dia pode ter parecido defeituoso ganha ares de perfeição quando aproxima-se o momento de ser deixado para trás. Amor de longe é uma representação do ritual de passagem para uma época em que as sensações ainda não têm etiquetas, precisam ser descobertas e rotuladas para que façam algum sentido.

 

Amor de longe Cláudia Nina

 

Claudia vai construindo Amor de longe como uma formiguinha narradora: de pequenos detalhes, avolumados, surgem grandes resultados. Se pegarmos frase a frase, palavra a palavra do texto, temos um deslumbramento pontual. Se ampliarmos o olhar para as cenas, os capítulos, a narrativa como um todo, temos um deslumbramento arrebatador. Suas cenas não são gratuitas, cada qual desempenha um papel fundamental dentro da grande narrativa. Cada peça é colocada no lugar com muito cuidado para não estragar o que já está montado do quebra-cabeça. “Clarice embrulharia as palavras com muito cuidado para não quebrarem”, nos diz Cláudia sobre sua personagem – mas bem poderia estar falando de si mesma. Seu texto segue uma espécie de espiral poética, em que antecipa mas não revela, dá uma pequena volta reforçando as emoções e continua, sempre um passo à frente. Enquanto “Clarice ficou com a frase na mão como se fosse um pacote. Não sabia como desembrulhar”, a autora desembrulha suas frases sem amassá-las ou confundi-las pelo caminho.

 

Na falta de histórias próprias que a empolgassem, Clarice “roubava histórias alheias da casa ao lado…”. Claudia rouba sensações, frustrações e expectativas de todos nós quando adolescentes para devolver-nos em forma de histórias. A dor da mudança causada pelo tempo é uma dor que não nos larga quando abandonamos a adolescência, afinal “ninguém volta a ser o que já não é mais”. Mas o que Amor de longe nos mostra é que, independente de serem mudanças físicas, emocionais ou geográficas, sempre é possível “vestir emoções diferentes”.

 

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E se quiser conhecer um pouco mais da autora, o Conexão Autor já publicou uma entrevista com Cláudia Nina aqui.

 

Amor de longe
Cláudia Nina
Ficções Editora, 2017
124 páginas

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Sobre o Autor

Ronize Aline
Ronize Aline

Ronize Aline é escritora e consultora literária. Já foi crítica literária do jornal O Globo, do Rio de Janeiro, e trabalhou como preparadora de originais para várias editoras nacionais. Atualmente orienta escritores a desenvolverem suas habilidades criativas e criarem histórias com potencial de publicação.

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